Série de reportagens fala sobre um dos períodos mais difíceis enfrentados pela humanidade: a pandemia da Covid-19.
O g1 conversou com famílias do interior de SP que perderam entes queridos e lidam com a ausência.
Veja como estão algumas famílias que perderam entes queridos cinco anos após Brasil registrar a 1ª morte por Covid-19 Reprodução Você se lembra do momento em que recebeu uma notícia que mudaria completamente a sua vida? Se recorda do lugar onde estava, da roupa que vestia, do dia, da hora, do rosto de quem te deu a notícia? Você se lembra do que sentiu? Há cinco anos, no dia 12 de março de 2020, morria a primeira pessoa por Covid-19 no Brasil.
Em cinco anos, a doença matou mais de 715 mil pessoas e deixou outras milhares com sequelas.
Se considerarmos o número de mortes, são milhares de famílias que até hoje se lembram e revivem o exato momento em que perceberam que a vida que tinham antes havia mudado para sempre. 📲 Participe do canal do g1 Sorocaba e Jundiaí no WhatsApp A pandemia da Covid-19 assolou o mundo e deixou marcas eternas em famílias, profissões, na economia, ciência e saúde.
Por isso, o g1 traz uma série de reportagens para falar sobre um dos períodos mais difíceis enfrentados pela humanidade. 5 ANOS DA PANDEMIA: Carros dentro de shopping, música no portão e hospitais improvisados foram medidas adotadas no interior de SP Uso de máscara, álcool em gel e cardápios lavável e digital são ações herdadas por comerciantes no interior de SP 'Ainda choro quando falo' A foto de perfil do WhatsApp de Rogéria Guido da Silva mostra um jovem sorrindo e feliz ao lado da mãe.
Ele é João Vitor Guido da Silva, que morreu de Covid-19 aos 22 anos, em 17 de abril de 2021, em um hospital particular de Sorocaba (SP). "Eu fico um pouco envergonhada de dar entrevista sobre isso, porque ainda choro quando falo", revela Rogéria ao g1. Foto do perfil do WhatsApp de Rogéria é com o filho João, que morreu há quatro anos por complicações da Covid-19 Arquivo pessoal Em meio às lágrimas, a mãe de João contou que a família fez um memorial para o jovem na nova casa.
Eles precisaram vender o antigo imóvel para pagar as contas do hospital da época em que João ficou internado. "A gente colocou os instrumentos dele na parede, fotos, um personagem que ele gostava.
Para o cantinho dele estar ali, nessa nova casa.
Porque ele está ali, mesmo que não seja fisicamente, mas o nosso pensamento, nosso sentimento está com ele." Família criou 'memorial' para jovem que morreu por complicações da Covid-19 Arquivo pessoal Rogéria tem outros dois filhos, de 15 e 20 anos.
É neles que ela encontra motivação para continuar, apesar da dor. "Eles merecem uma mãe inteira também.
Se eu me enterrar junto com o João, eles não vão ter uma mãe inteira.
Quem que vai cuidar deles? É difícil continuar, é muito, muito difícil, mas a gente tem que buscar força em Deus todos os dias e continuar pelos outros." Uma das marcas que a morte do filho deixou em Rogéria foi o medo de que os outros filhos contraiam alguma doença: "Quando a minha filha sai, vai em lugar muito cheio, eu fico apreensiva.
A gente ouve notícias de que está tendo aumento de casos, novas variantes, e dá medo", desabafa. O memorial na casa e a foto com João no WhatsApp são maneiras de não deixar tudo que o jovem foi morrer junto a ele. "É um jeito de normalizar a presença dele, de que ele esteja sempre aqui, que as pessoas lembrem dele, do sorriso.
Porque, para mim, que sou cristã, ele está vivo, está no céu", conclui. Rogéria guarda a foto do último aniversário de João, em janeiro de 2021, três meses antes de o jovem morrer por Covid-19 Arquivo pessoal 'Não pôde se despedir' Além de lidar com a dor, Adriele Alves precisou reunir forças para dar a notícia da morte da irmã dela para a mãe.
Andreia Alves Silva, que morreu aos 40 anos por Covid-19 em 2 de março de 2021, chegou a comemorar a cura da doença em uma mensagem enviada ao filho dias antes de morrer. Andreia mandou mensagens para o filho comemorando que havia sobrevivido à Covid-19 Arquivo pessoal e Reprodução/WhatsApp Assim como o de muitos que morreram naquele período, o corpo de Andreia não pôde ser velado.
Para Adriele, essa foi uma das partes mais difíceis de perder a irmã para a doença. "Minha mãe soube na garagem da nossa casa que a filha tinha morrido.
Alguns vizinhos vieram dar suporte, mas outros ficaram com medo de chegar perto.
Acho que a dor maior foi para a minha mãe, porque eu e meu pai tínhamos visto ela no hospital, a gente conseguiu dizer um adeus.
A minha mãe não pôde se despedir.
Então, até hoje, na cabeça dela é difícil acreditar que o corpo da filha possa, inclusive, estar naquele túmulo.
Na cabeça da minha mãe, não tem ninguém ali, entendeu?", relata Adriele. Andreia Alves Silva morreu aos 40 anos, depois de testar positivo para a Covid-19, em março de 2021 Arquivo pessoal A ausência de Andreia causa até hoje dúvidas na família Silva.
Adriele acredita que a irmã sofreu negligência médica e que não recebeu o atendimento adequado para poder enfrentar à doença. "Não chegaram a entubar ela.
Na época, logo depois de ela ter sintomas, ela foi para o hospital e fizeram o teste, mas não saiu de imediato.
Teve que aguardar uns dias até sair o resultado.
Nisso, ela foi para a Santa Casa e ficou uns dois a três dias internada e deram alta.
Ela foi mais três vezes para o hospital, mas não internavam, pois diziam que ela não tinha nada.
A doença foi se agravando.
Morreu com o pulmão 100% comprometido", relembra.
Outras perguntas que passaram a fazer parte da vida de Adriele são: o que seria diferente se Andreia ainda estivesse viva? "Ela trabalhava em uma loja de cosméticos no Centro de Sorocaba.
Quando ficou doente, mandaram ela embora.
O caixão dela foi até pago com o pagamento da rescisão.
Ela estava tirando habilitação, tinha comprado um carro, estava feliz.
Ela era a nossa alegria, não tinha tempo ruim para ela.
Se ela estivesse aqui, teria 44 anos, acho que continuaria sem medo de nada, vivendo na casa dela, curtindo o carro que ela comprou um dia antes de morrer.
Acho que estaria feliz." Andreia Alves Silva entre as irmãs, Roberta e Adriele; família de Sorocaba (SP) relata luto após quatro anos sem Andreia Arquivo pessoal 'Datas comemorativas ficaram estranhas' Os homens da família Perassa, de Urupês (SP), morreram na mesma semana.
No dia 29 de março de 2021, Jair Perassa, de 69 anos, não resistiu às complicações causadas pela Covid-19.
No dia 3 de abril, o filho dele, Jocimar Júnior Perassa, de 41 anos, também morreu.
Jair Perassa, de 69 anos, e Jocimar Júnior Perassa, de 41 anos, morreram à espera de leitos em Urupês Arquivo pessoal "Ainda estamos em processo de recuperação.
Minha mãe, minha cunhada, viúva do meu irmão, e a filha dela, minha sobrinha, fazem tratamento psicológico desde o ocorrido", relata Joice Liziane Perassa, filha e irmã das vítimas. Ela se lembra até das últimas vezes em que falou com Jair e Jocimar Júnior, quando ainda não sabia que aqueles contatos com os dois seriam os últimos. "Consegui falar por vídeo com meu pai seis horas antes da morte dele.
Com meu irmão, a última vez que nos vimos foi três dias antes de ele partir.
Falei com ele, ainda lembro da voz e do olhar dele." Além de dor e saudade, as mortes dos dois também causaram mudanças na vida da família. "Meus pais moravam no sítio.
Eles que sempre trabalharam e cuidaram de tudo.
Minha mãe teve que se desfazer de uma parte da plantação de limão por não conseguir mais cuidar.
Meu pai tinha muito amor pela plantação dele.
Esse período foi como se tudo fosse uma grande devastação, sentimento de família deslocada e também, ao mesmo tempo, de força.
Tirei força e coragem de mim que nunca achei que teria", analisa Joice. Família de Urupês (SP) perdeu pai e filho para a Covid-19 em 2021 Arquivo pessoal Joice diz que as mortes dos dois são um assunto evitado na família, mas, ainda assim, pai e filho são lembrados todos os dias. "Evitamos o máximo possível falar sobre.
Quando falamos deles, é sempre lembrando de algo, tipo 'o pai gostava disso' ou 'o Junior gostava daquilo'.
Tentamos lembrar dos momentos bons.
Mas as datas comemorativas ficaram estranhas para a gente, pois meu pai adorava comemorar aniversário de todos e festas de fim de ano.
É impossível não lembrar e não termos muita vontade de comemorá-las." À esquerda, Joice Liziane Perassa com o pai e mãe; à direita, Joice com o irmão, Jair Júnior.
Moradora de Urupês perdeu o pai e o irmão para a Covid-19 Arquivo pessoal 'Tempo me ajudou a entender' Juliana Costa Neves conheceu Amanda Araújo na faculdade em Bauru (SP).
A amizade de sete anos foi interrompida pela Covid-19, que vitimou Amanda e a mãe dela, Elaine Araújo, em maio de 2021.
Elaine já estava sedada quando a filha morreu e não chegou a receber a notícia.
A amizade se estendeu para fora do ambiente acadêmico e Juliana até chamava a mãe de Amanda de tia pelo carinho e proximidade. "Na época, já pensava que talvez tenha sido melhor ela não saber mesmo.
Se a tia voltasse boa, ela ia sofrer mais ainda.
Ela sempre falava para mim que não conseguiria ficar sem a Amanda", conta Juliana. Elaine morreu de Covid nove dias após a filha morrer pela doença em Bauru (SP) Arquivo pessoal Para Juliana, uma das maiores angústias é pensar que mãe e filha poderiam estar vivas, se tivessem tido a chance de receber a vacina contra a doença. "A Amanda morreu um ou dois meses antes de começar de fato a distribuição das vacinas para todo mundo.
Ela sempre falava de vacina, a gente conversava sobre querer tomar a vacina logo.
É muito doloroso pensar que pessoas próximas de mim morreram e não tiveram nem a oportunidade de receberem a vacina e poder continuar vivendo outras coisas", lamenta. Mãe e filha, moradoras de Bauru, morreram de Covid com quase dez dias de diferença Arquivo pessoal LEIA MAIS: Logo após aprovação da Anvisa, governo de SP aplica em enfermeira a 1ª dose de vacina contra Covid-19 no Brasil “Ainda estamos vivendo o luto da pandemia”, diz especialista Entre as coisas que Amanda poderia ter vivido, Juliana lembra que a jovem planejava se casar.
"A gente conversava sobre isso, sobre eu ir no casamento, sobre onde que eles iam morar.
Mexeu muito comigo a morte dela, por ser alguém com idade tão próxima da minha.
A gente está aqui, mas de repente, em um piscar de olhos, a gente some". O tempo e a fé ajudaram Juliana a compreender a morte da amiga.
Mas, em alguns momentos, a angústia vivida durante a pandemia volta à tona. "Quando eu tomei a primeira dose da vacina, pensei muito nela, que ela não teve a chance.
Mas eu também sou uma pessoa religiosa, sou católica, então eu também acredito que cada um tem a sua hora e que Amanda precisou ir embora.
Que Deus tinha um objetivo com isso.
O tempo me ajudou a entender que a Amanda tinha partido e eu não ia falar mais com ela.
Mas eu sempre lembro dela, em todo 1º de maio, dia que ela morreu, e no dia 6 de setembro, que seria o aniversário dela", relata a amiga. Amanda e Juliana fi...