Em três mandatos como deputada federal, a sorocabana Iara Bernardi foi autora de projetos de lei que visam combater violências contra mulheres em todo o país.
Iara Bernardi, de Sorocaba (SP), é autora de leis que visam proteger mulheres de situações de violência em todo o país Larissa Pandori/g1 As mulheres que vivenciaram o 8 de março de 2001 ainda não tinham uma lei que às protegessem em casos de assédio sexual no Brasil.
Até 2004, por exemplo, elas também não tinham nenhuma legislação que tratasse sobre a violência doméstica.
Foi só em 2013 que o país tornou obrigatório o atendimento imediato às vítimas de abuso sexual.
O que essas leis têm em comum, além de criminalizarem situações de violência contra a mulher, é a deputada que lutou pela criação delas. Neste oito de março, Dia Internacional da Mulher, o g1 conversou com Iara Bernardi, nascida em Sorocaba (SP) e que atualmente está em seu 6º mandato como vereadora pelo Partido dos Trabalhadores (PT) no município, mas que tem mais de 50 anos de vida política. 📲 Participe do canal do g1 Sorocaba e Jundiaí no WhatsApp Iara começou a se engajar na luta pela Anistia Política na década de 70 e se tornou Coordenadora Regional do Comitê Brasileiro pela Anistia (CBA).
"Participei de greves e lutas dos professores na liderança do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo, a Apeoesp.
Me candidatei à vereadora de Sorocaba (SP), fui uma das duas primeiras vereadoras mulheres eleitas a tomar posse na cidade, em 1982, juntamente com Diva Prestes de Barros", relembra.
No primeiro mandato como vereadora em Sorocaba, Iara diz que enxergava, na época, que tinha como "missão" representar as mulheres sorocabanas. "Sorocaba e o Estado de São Paulo foram pioneiros, na década de 1980, em toda essa discussão que o Brasil retomava do feminismo.
Nessa época, houve um movimento muito grande chamado 'quem ama não mata'.
No governo Franco Montoro nós formamos um grupo de mulheres bem engajadas e montamos o primeiro Conselho Estadual da Condição Feminina, em 1983". Em 1998, Iara foi eleita deputada federal e, a partir disso, passou a ser uma "peça fundamental" na articulação para tornar lei projetos que já existiam, mas não avançavam pelas casas legislativas.
Na época, ela ficou com o gabinete da ex-deputada federal Marta Suplicy.
Iara não "herdou" apenas o espaço de trabalho, mas também a possibilidade de continuar seus projetos. "Ela tinha esse engajamento e o gabinete continuou como referência.
Então, eu falei: 'vou assumir essas lutas'.
Nós tínhamos no Congresso um momento de muita mobilização em todas as áreas, os indígenas, os homossexuais, as mulheres, entidades internacionais participavam e debatiam conosco.
Você não faz nada sozinha.
Se você quiser aprovar alguma coisa, você sempre precisa ter um movimento te apoiando", afirma. Iara Bernardi foi deputada federal por três mandatos e vereadora em Sorocaba (SP) por seis mandatos Arquivo Pessoal Crime de assédio sexual Em 15 de maio de 2001 foi aprovada a Lei nº 10.224.
Esta foi a primeira legislação que tornava crime o assédio sexual contra qualquer pessoa.
E foi Iara quem a criou.
"Empresas multinacionais já tinham regimento interno para combater o assédio, porque vinha de fora.
A gente ouviu de tudo enquanto rolava o debate.
Perguntavam para mim 'você fez a lei porque foi assediada?' eu fui, mas não fiz a lei por causa disso.
Fiz porque era uma das coisas graves contra as mulheres e não tinha nada que às protegessem, na maioria das vezes, ela seria demitida se denunciasse para alguém.
Falavam 'vocês vão constranger as pessoas, porque o brasileiro é expansivo', mas a lei passou.
E precisamos divulgar o máximo possível porque assédio acontece todos os dias.
Inclusive contra homens e a lei também protege nesses casos", pontua.
Assédio moral e assédio sexual: entenda como reconhecer agressões no ambiente de trabalho Ex-funcionários de clínica odontológica de luxo de SP acusam a proprietária e dentista de assédio moral e sexual Iara Bernardi foi ao Programa do Jô para falar sobre a lei contra o assédio sexual, em 2001.
Ao lado dela, está a Zulaiê Cobra, que foi relatora do Projeto de Lei Arquivo Pessoal O artigo 216-A da Lei diz que é crime: "Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.".
A pena prevista de 1 a 2 anos de prisão.
Crime de violência doméstica Bernardi também é autora da Lei nº 10.886, de 17 de junho de 2004, que acrescentou a expressão “violência doméstica” no Código Penal.
Conforme Iara, foi esta legislação que abriu caminho para, em 2006, a aprovação da Lei Maria da Penha. "Se alguma mulher fosse reclamar de que foi agredida dentro de casa e tudo mais, era chamado de desinteligência.
Aquela regra de 'briga de mulher, ninguém mete a colher', os vizinhos não se metiam, a violência era escondida, a família dela dizia que ela tinha que aguentar.
Foi toda uma campanha que a gente fez que resultou inclusive na construção da lei Maria da Penha.
Foi dentro desse debate.
Primeira legislação dizendo no Código Penal o que é a violência doméstica, foi de nossa autoria, junto com o movimento feminista".
Caso Ana Hickmann: como a Lei Maria da Penha pode agilizar divórcio da apresentadora Saiba como denunciar casos de violência contra a mulher e conseguir ajuda especializada Com a medida, o art.
129 do Decreto-Lei nº 2.848, de 1940, teve dois acréscimos que determinavam a pena de prisão de 6 meses a 1 ano se a agressão fosse praticada contra familiares, cônjuge ou companheiro. A vereadora destaca que não basta ter um texto tipificando o crime.
É preciso criar e manter estruturas que oferecem apoio e proteção às vítimas que apanham dentro de casa. "Quando não existe a estrutura para proteger a mulher, desqualificam a Lei Maria da Penha, como se a Lei fosse o problema.
Mas o problema é a falta de órgãos, de redes de apoio, de um abrigo, de medidas que permitam que essa vítima tenha como sair de casa e sustentar sem o agressor", analisa. Lei nº 10.886, de 17 de junho de 2004 acrescentou a expressão “violência doméstica” no Código Penal.
Nadine Revogação do crime de adultério A expressão “mulher honesta” ainda estava presente no Código Penal ao se referir sobre vítimas de delitos sexuais.
Foi a Lei nº 11.1061, de 28 de março de 2005, de Iara Bernardi, que revogou não só a expressão, mas também os artigos que criminalizavam o adultério e que permitiam que o estuprador não fosse punido caso se casasse com a vítima. "A gente ainda tinha uma lei que dizia que o homem matava em defesa da honra, que a honra estava na mulher e não nele, e que era considerado crime de atentado ao pudor apenas se fosse praticado contra 'mulher honesta'.
Mas quem julga o que é uma mulher honesta? Conseguimos a retirada desses termos todos.
A lei do estupro também, que dizia que se o estuprador se casasse com a mulher não tinha mais crime e se ela se casasse com outro o futuro dela já estava assegurado e o crime também era extinto", comenta. Os países em que estupradores conseguem escapar da Justiça se casando com as vítimas Entenda o que é 'estupro marital', crime sexual cometido por parceiro e que tem pena maior no Brasil O Código Penal de 1830 só previa o adultério feminino.
No Brasil, o crime de adultério passou a valer para homens só em 1940.
Em 2005, isso deixou de ser crime no país.
Mas foi penas em 2021 que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu por unanimidade que a traição de mulheres não podia ser usada como argumento de defesa em casos de feminicídio, a chamada tese da legítima defesa da honra. 'A gente ainda tinha uma lei que dizia que o homem matava em defesa da honra, que a honra estava na mulher e não nele', diz Iara Bernadi Giuliano Gomes/PR PRESS Lei do Minuto Seguinte Em 2013, durante seu terceiro e último mandato como deputada federal, Iara Bernardi conseguiu a aprovação da Lei nº 12.845, que ficou conhecida como “Lei do Minuto Seguinte”.
A vereadora relata que apresentou o texto em 2002 e que a discussão para a aprovação demorou cerca de dez anos, pois alguns artigos da lei eram mal vistos por setores conservadores. "Tinha um regramento do SUS [Sistema Único de Saúde] sobre como deveria ser o atendimento às vítimas de violência sexual, mas era uma nota técnica e que era desobedecida em todo o Brasil.
Já a Lei obriga que os hospitais da rede pública ofereçam às vítimas atendimento imediato, medicamentos para a prevenção de infecções sexualmente transmissíveis, pílula do dia seguinte.
Setores mais conservadores tentaram fazer de tudo para que essa parte fosse vetada porque diziam que isso abriria espaço para aprovar a legalização do aborto", relembra a ativista.
MPF lança campanha para divulgar lei que garante atendimento às vítimas de estupro Lei garante atendimento integral no SUS a vítimas de estupro A Lei nº 12.845 também determina o registro da ocorrência na polícia e o encaminhamento às delegacias especializadas, a fim de ajudar na identificação do agressor e de comprovar a violência sexual.
Em três mandatos como deputada federal, a sorocabana Iara Bernardi criou quatro leis que visam combater violências contra mulheres Matheus Arruda/g1 'Preocupação com o retrocesso' "Todos esses projetos que eu apresentei dependeu de bastante mobilização feminina, não só política, mas de toda a sociedade." Iara analisa que muitos destes temas foram mais "fáceis" de tratar no Congresso Nacional no começo da década de 2000 do que seriam hoje.
"Quando eu voltei a ser deputada federal no governo da ex-presidente Dilma, eu já não reconheci mais o Congresso.
O conservadorismo era muito maior, a gente não passaria mais essas leis.
Tenho muita preocupação com o retrocesso.
Porque numa onda de retrocesso, as primeiros vítimas são as mulheres.
Tudo aquilo que a gente avançou pode retroceder.
Atenção sempre". Iara durante seu 1º mandato como deputada federal, em dezembro de 1998 Arquivo Pessoal Atualmente, Iara Bernardi está em seu 6º mandato como vereadora em Sorocaba.
Ela comenta que tem tentado trazer uma unidade da Casa da Mulher Brasileira, programa do Ministério da Mulher, que integra, no mesmo espaço, diversos serviços especializados para atender mulheres em situação de violência, como delegacia, Juizado, Defensoria Pública, casa de passagem, espaço para crianças, entre outros serviços. "Vou continuar defendendo os direitos das mulheres, defendendo o direito à educação para todas, que é muito importante.
Mulher pode ter profissão, pode ter estudo, não precisa mais depender do marido para se manter, para não sair de uma situação de violência.
Temos leis hoje muito importantes.
Então, até quando eu tiver força, vou continuar." Sorocabana é a mulher por trás da autoria de leis que combatem violência contra a mulher no Brasil Larissa Pandori/g1 Veja mais notícias da região no g1 Sorocaba e Jundiaí VÍDEOS: assista às reportagens da TV TEM