Capital fica entre as 10 cidades brasileiras que mais receberam migrantes em 2024, segundo o SISMIGRA.
Venezuelanos são 82% dos migrantes na cidade, formada historicamente por multiculturas.
Formação 'multi nações' de Curitiba faz a cidade ser uma das mais buscadas por migrantes Uma caminhada por Curitiba é suficiente para notar que a população da cidade descende de diversas nações.
A capital tem a reputação de ser um centro multicultural que se solidifica, dia após a dia, pelo reflexo de décadas de fluxos migratórios.
A característica "multi nações", que continua presente em Curitiba, garantiu a entrada da capital paranaense no ranking das 10 cidades brasileiras que mais receberam migrantes em 2024, segundo dados do Sistema de Registro Nacional Migratório (SISMIGRA), do Governo Federal.
Dentre colombianos, franceses, haitianos e outras tantas nacionalidades que buscam uma chance de recomeço em Curitiba, o destaque do ano passado foi para os venezuelanos, que representaram mais de 82% dos migrantes que chegaram na cidade.
✅ Siga o canal do g1 PR no WhatsApp ✅ Siga o canal do g1 PR no Telegram A presença de venezuelanos na capital, inclusive, tem aumentado desde 2010 e se intensificou em 2018, quando eles chegaram ao topo da lista de migrantes que residem em Curitiba, superando o número de haitianos na cidade – nacionalidade que liderava o ranking desde 2011. Segundo o SISMIGRA, em 2024, Curitiba recebeu 5.546 venezuelanos – dos 16.242 que vieram para o estado.
Em janeiro de 2025, 459 migrantes dessa nacionalidade também chegaram à cidade.
A busca não é à toa: Curitiba oferta hoje uma gama de serviços públicos que permitem a migrantes o impulso necessário para iniciar uma nova vida. Confira serviços ofertados para migrantes em Curitiba mais abaixo Rockmillys Basante Palomo, de 47 anos, saiu de Maturín, cidade da Venezuela, e chegou à Boa Vista, em Roraima, em 2018, e pouco depois se mudou para Curitiba.
Ela é considerada refugiada, uma vez que saiu do país de origem com a família por temer a perseguição política.
Segundo Rockmillys, a maior facilidade para regularização documental, abertura do mercado de trabalho e acesso aos programas e benefícios sociais garantidos pela chamada Lei do Migrante, de 2017, contribuíram para que ela decidisse permanecer no Brasil. Venezuelanos tem escolhido Curitiba como destino migratório Rockmillys Basante Palomo Na capital paranaense, ela fundou a ação social Irmandade Sem Fronteiras, considerada a primeira organização sem fins lucrativos iniciada e liderada por migrantes venezuelanos no Paraná.
A entidade acolhe e orienta migrantes, refugiados e apátridas na regularização de documentos, geração de renda, assistência social, saúde, educação e demais áreas de necessidade da população migrante. Entretanto, Rockmillys relembra que o Brasil não foi a primeira escolha dela e da família.
À época, ela e o marido ficaram desempregados e decidiram migrar com os filhos para a Argentina, mas um golpe no meio do caminho mudou o destino final. "Eu estava vendendo a minha casa e a pessoa para quem eu estava vendendo nunca ia comprar, nunca comprou.
Foi um golpe do regime de lá.
Manipulação para eu ficar sem nada.
Eles desapropriaram tudo, tiraram tudo de nós.
Ficamos no aeroporto de Roraima sem saber para onde ir, sem dinheiro para comprar passagem para ir à Argentina, sem saber falar o idioma, sem comida, sem nada.
Ficamos lá mais de 15 dias, no chão do aeroporto de Roraima", conta. Apesar das inúmeras dificuldades e incertezas vividas por Rockmillys e pela família, ela diz que a única foto que ainda guarda dessas mais de duas semanas traz a recordação de um momento feliz. Na imagem, todos eles comemoravam o aniversário de Rockmillys, em 24 de agosto de 2018, no chão do aeroporto de Boa Vista.
De acordo com ela, a família conseguiu comprar um sorvete para cantar parabéns.
Quatro meses depois disso, ela começou a construir a nova vida em Curitiba. Rockmillys e a família comemorando o aniversário dela no chão do aeroporto em Boa Vista, Roraima Rockmillys LEIA TAMBÉM: Vídeo: Jovem fica pendurada por corda dentro de elevador e é salva por amigas Relato: Mãe guarda na geladeira sucos vencidos de filha que morreu em acidente aéreo Serviço paranaense: Medicamentos para mais de 90 doenças podem ser solicitados remotamente Luta por direitos De acordo com Rockmillys, o projeto Irmandade Sem Fronteiras começou com quatro migrantes, que viraram oito, e hoje a organização conta com 48 migrantes refugiados venezuelanos e 20 brasileiros que trabalham para auxiliar migrantes de diversas nacionalidades.
O trabalho é executado com o apoio da nora, Maria Isabel, de 30 anos.
Ela, que também é refugiada, chegou ao país três meses depois da sogra, em 20 de junho de 2019, coincidentemente o Dia do Refugiado.
"Eu passei pelo mato para cruzar a fronteira entre Venezuela e Brasil.
Quando a gente passou, roubaram mala, foi uma história bem feia, mas chegamos", recorda. Maria Isabel e Rockmillys trabalharam juntas quando vieram ao Brasil para fundar a Irmandade Sem Froteiras Rockmillys Basante Atualmente a organização funciona a nível federal e até internacional.
A irmandade presta serviços de assistência e orientação para regularização migratória em todo o país.
Por ano, mais de 8.500 migrantes foram atendidos, conforme Rockmillys.
Entre os serviços oferecidos estão atendimentos online sobre questões jurídicas, de documentação e assistência social.
Além disso, são feitas ao menos duas jornadas itinerantes por mês em Curitiba e Região Metropolitana, onde uma média de 200 a 350 migrantes e refugiados recebem serviços gratuitos de: ➡️ Regularização documental; ➡️ Assistência social; ➡️ Encaminhamento de saúde e trabalho; ➡️ Assessoria psicológica e jurídica. Ela afirma que a irmandade não recebe ajuda financeira do Governo Federal, estadual ou municipal, por isso, se viram como podem.
As residências dos integrantes, por exemplo, têm funcionado como casas de passagem para novos migrantes que chegam em Curitiba. Para Rockmillys, além da falta de suporte financeiro, há necessidade de mudança comportamental frente aos migrantes venezuelanos.
No mercado de trabalho, ela destaca que migrantes "não são apenas mão de obra barata".
"Se a gente não tem saúde mental para o choque migratório, como você vai ter um cidadão que ajuda a construir e melhorar o país? Por isso que eu chamo os governos estaduais e municipais.
Não somos só uma mão trabalhadora barata.
Aqui tem profissionais maravilhosos que podem ajudar a resolver problemas que o país mesmo tem." A professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR), especialista na história do estado, Roseli Terezinha Boschilia, destaca outros dois pontos que tem reforçado o fluxo migratório de venezuelanos para a capital do Paraná: oferta de emprego e maior número de familiares residentes no estado. "A região Sul é muito atraente para eles e muitas empresas daqui vão para o Norte contratar esses migrantes.
Quando você falar com os imigrantes, eles vão dizer que Curitiba é uma cidade organizada, é uma cidade limpa, que tem muitos migrantes.
Essa característica que já vem lá do século XIX, continua sendo um fator de atração para esses grupos que chegam na contemporaneidade", explica. Semelhanças e divergências do movimento migratório atual para nacionalidades que buscaram refúgio na capital décadas atrás Primeiro registro visual da cidade de Curitiba mostra a cidade vista do Alto São Francisco, próximo do que viria a ser a Praça Garibaldi. Jean Baptiste Debret Até o século XVIII, os habitantes de Curitiba eram indígenas, mamelucos, portugueses e espanhóis. De acordo com o histórico no site da prefeitura, com a emancipação política do Paraná em 1853 e o incentivo governamental à colonização na segunda metade do século XIX, a capital foi transformada pela intensa imigração de europeus. Dentre eles, estavam os poloneses, que chegaram em Curitiba em 1871 e formaram, na capital, a maior comunidade polonesa do Brasil.
Além disso, a cidade é hoje a segunda maior colônia polonesa fora da Polônia, perdendo apenas para Chicago, nos Estados Unidos. Luan Antochevis é neto dos poloneses Thomas Antochevis e Helena Nalepa, que vieram com suas famílias ao Brasil por volta de 1914 para fugir da Primeira Guerra Mundial e chegaram à colônia Dom Pedro II, onde hoje fica Campo Magro, na Região Metropolitana de Curitiba.
Luan Antochevis é neto de poloneses e dono de restaurante que preserva a cultura g1 PR Mesmo que em períodos e situações divergentes, os motivos para o refúgio deles no Brasil se assemelham aos da família de Rockmillys: viver em melhores condições e longe da guerra. Outro ponto de semelhança entre os grupos migrantes do século passado com os atuais, segundo a professora especialista em história do Paraná Roseli Terezinha Boschilia, é que ambos foram vistos pela população e governantes brasileiros em suas respectivas épocas como "mão-de-obra". No entanto, se hoje a maior parte dos migrantes trabalha em áreas como construção, comércio e terceiro setor, segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED), no século XIX e início do XX, a maioria deles dedicava esforços à agricultura como a família de Luan Antochevis. "Era tudo aqui dentro de casa.
A galinha, os ovos, a vaquinha que a gente pegava o leite.
A gente tinha muito alimento aqui dentro da casa.
E o que a gente não tinha aqui, meu avô ia de carroça até Santa Felicidade para trocar pelo tínhamos, que geralmente eram as batatas", conta. Após a morte dos avós, Antochevis e a mãe transformaram a memória afetiva do casal no ganha pão da família.
O restaurante Nova Polska foi criado para unir a tradição e a culinária polonesa na casa construída em 1940 pelos avós.
Antochevis explica que trabalharam por quatro anos para restaurar os detalhes originais da casa. "Por ter sido um povo que veio fugido da guerra, eram pessoas sofridas que chegaram ao Brasil com uma mão na frente e outra atrás.
Mas eles procuravam trazer um pouco de alegria para dentro de casa através das cores, por isso nós restauramos a pintura original.
E procuramos manter a culinária polonesa através da broa com a banha temperada, do pierogi, tem o Bigos, o Barszcz." Restaurante Nova Polska, em Campo Magro, conserva tradições da cultura polonesa Luan Antochevis Nalepa Migrantes não são mais vistos 'com mesmos olhos' do passado Na visão da professora Roseli, os contextos do movimento migratório inicial e atual no Brasil, de forma geral, são completamente diferentes e, hoje, o migrante não é visto com os "mesmos olhos" do passado pela população nativa. "Em determinados contextos, o Brasil precisava dessa mão-de-obra, por isso tinham os subsídios.
Quem está chegando agora não tem isso.
Antes o migrante era um braço que vinha para resolver a substituição da mão-de-obra por conta da abolição.
Hoje é o contrário, porque no próprio país tem bastante gente procurando emprego.
O povo mais reacionário acha que eles estão vindo disputar conosco." Para Roseli, esse é um dos fatores que causam o preconceito e a xenofobia com migrantes e levam uma parcela da população a não aceitar que eles tenha...