Serviço é oferecido por bancos e corretoras de forma gratuita, mas profissionais são remunerados por comissão, de acordo com produto que indicam para os clientes.
Transparência vai ajudar o investidor a não cair em ciladas.
ijeab/Freepik A regra mais completa sobre transparência e conflitos de interesse no mercado financeiro no Brasil passa a vigorar nesta sexta-feira (1°), seguindo a definição da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), órgão que é responsável por regular o mercado de capitais no país. A medida determina que, a partir de hoje, os clientes de bancos e corretoras devem conhecer a remuneração de assessores e gerentes de conta em cada indicação de produto financeiro como investimento, antes que ele dê o aceite para a operação. O serviço de assessoria de investimentos é oferecido de forma gratuita, mas os profissionais são remunerados por comissão, de acordo com produto que indicam para os clientes.
O modelo já deu origem a casos de clientes mal orientados, que aplicaram parte importante de suas economias em produtos ruins, que rendem pouco e geram prejuízos em caso de resgate antecipado, mas garantem comissões mais gordas a quem recomendou.
(veja casos abaixo) Por mais que os especialistas da área digam que apenas uma pequena minoria trabalhe desta forma, lesando os clientes, até aqui não havia uma regra que permitisse tamanha transparência à remuneração dos assessores.
Essa nova regra, que ataca a situação de conflito de interesse, é a última parte da Resolução CVM 179, que foi lançada no ano passado junto a outras normas que regulam a atividade dos assessores de investimentos. O problema, segundo especialistas ouvidos pelo g1, é que ela ainda não substitui a necessidade de que os clientes tenham um bom conhecimento sobre o funcionamento do mercado financeiro e dos produtos de investimento para evitar problemas. Nesta reportagem, você vai entender: O que muda com a Resolução 179; Como as instituições financeiras pretendem se adaptar; Os problemas da falta de transparência; Quais as dicas para identificar um possível conflito de interesses. Miriam Leitão analisa reação do mercado sobre inflação LEIA MAIS Influenciadores de finanças: veja como escolher os melhores e como confiar neles Empresas serão responsáveis por 'publis' de influenciadores de finanças O que muda com a Resolução 179 A Resolução CVM 179 foi criada para trazer transparência para o trabalho de recomendação de investimentos feitos pelas empresas que prestam esse serviço, caso de bancos, corretoras e escritórios autônomos de assessoria de investimentos.
A ideia era dar clareza ao trabalho e reduzir possíveis conflitos de interesse.
Para isso, a CVM determinou três grandes regras: A criação de uma página na internet de fácil acesso ao investidor com detalhes de como os profissionais das instituições são remunerados; A divulgação de quais serão os percentuais de comissão do profissional e da instituição com aquele produto financeiro indicado, antes do aceite do cliente; A divulgação de um relatório trimestral com informações de quanto a instituição faturou com os investimentos do cliente. Veja abaixo o detalhamento de cada uma delas. 1️⃣ PÁGINA NA INTERNET: A regra define que o site da empresa intermediária (corretoras, bancos etc.) forneça as seguintes informações sobre a forma de remuneração da empresa e de seus profissionais: Taxas diretamente cobradas dos investidores pelo serviço; Percentual de taxa de administração; Percentual de taxa de performance; Diferença entre o custo de compra e de venda dos produtos (conhecido como "spread"); Taxas de distribuição; Taxas relacionadas à conversão de recursos em moeda nacional para estrangeira e vice-versa. Além disso, a página também precisa deixar claro quais são os possíveis conflitos de interesse que um de seus profissionais pode ter na hora de indicar algum produto.
Para isso, o site precisa dizer quando há: Incentivo para recomendar operações a clientes em virtude do recebimento de remuneração por meio de taxa de corretagem; Esforço de venda promovido por assessores de investimento vinculados a múltiplos intermediários, com potenciais variações na taxa de remuneração pela venda de valores mobiliários similares; Recebimento de rebates e comissões pelo intermediário quando realiza a venda de determinados valores mobiliários; Recebimento de rebates e comissões pelo intermediário quando direciona a execução de operações a determinados ambientes de negociação; e Oferta de valores mobiliários emitidos, detidos, geridos ou sob administração fiduciária do próprio intermediário ou de outras instituições integrantes de seu grupo econômico. 2️⃣ PERCENTUAIS DE COMISSÃO: A segunda etapa da transparência é fornecer essas informações no momento em que o investidor for avaliar a ordem de compra para o investimento. 💬 EXEMPLO: Se a ordem de compra for no aplicativo da empresa, as informações sobre o quanto empresa e assessor recebem devem ser apresentadas neste mesmo ambiente, junto à ordem de compra.
Cabe ao investidor, então, ler o que for apresentado no documento — que além da remuneração, também apresenta os riscos e outros detalhes do produtos — para entender se o investimento faz sentido.
Caso desconfie de um possível conflito de interesse, basta não aceitar a ordem naquele momento e voltar a discutir com o assessor. A CVM determina que as informações podem ser resumidas, mas devem ser verdadeiras e consistentes com o que é apresentado na página da instituição.
Nos casos de investimentos em que a remuneração não é definida na hora, mas envolva a diferença de preços dos momentos de compra e de venda do ativo, o intermediário deve estimar os valores ou percentuais de ganho, de forma razoável e consistente com valores usualmente observados em situações similares. 3️⃣ RELATÓRIO TRIMESTRAL: Por fim, o extrato trimestral (a ser enviado em até 30 dias após o fim do trimestre) deve conter o valor total da remuneração auferida direta ou indiretamente pela empresa com os investimentos daquele investidor, discriminando: A modalidade de investimento realizado; A natureza da remuneração; A parcela correspondente a remuneração de assessores de investimento. Volte ao início. Como as instituições financeiras pretendem se adaptar Luciane Effting, vice presidente de distribuição de investimentos da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), diz que já trabalha em um modelo padrão para os relatórios trimestrais que as empresas deverão enviar aos seus clientes a partir de janeiro. A Anbima, que é o órgão autorregulador das instituições financeiras brasileiras, definiu as premissas e padronização dessas informações para que todas as instituições apresentem os dados da mesma forma para o investidor.
Assim, será possível comparar de forma clara o que cada empresa recebe e, a partir disso, escolher com quem o cliente quer operar. "De nada adiantaria que as informações estivessem em formatos diferentes, porque ele não ia conseguir comparar.
E o objetivo é que ele possa, de uma forma simples, entender quanto ele está pagando para comprar o mesmo produto em cada lugar", comenta Effting. Durante a semana, o g1 procurou Banco do Brasil, Bradesco, BTG Pactual, Caixa Econômica Federal, Genial Investimentos, Itaú Unibanco, Safra, Santander e XP Investimentos para entender como as empresas enxergam e como estão trabalhando para se adaptar à regra. O Bradesco disse que "o cliente poderá visualizar a remuneração dos valores mobiliários contemplados pela norma no momento da contratação ou resgate, quando for realizado pelo cliente em ambiente logado". O Itaú informou que seus clientes terão "acesso às informações das taxas relativas à distribuição dos produtos recebidas pelo Itaú nas jornadas de contratação no aplicativo do banco, na plataforma da Itaú Corretora, pelo app íon e, também, receberão o extrato trimestral detalhado sobre essa remuneração". A XP afirmou que a resolução 179 da CVM reflete a "modernização do mercado brasileiro, no sentido de adotar as melhores e mais avançadas práticas de transparência na indústria de assessoria de investimentos" e que "esta agenda faz parte da constituição e propósito da empresa, desde a sua fundação, em 2001". O BTG não quis comentar o tema.
A Genial também não quis se manifestar.
Santander, Safra, Banco do Brasil e Caixa não comentaram até a publicação desta reportagem. Veja as notas completas das instituições no fim da reportagem. Volte ao início. Taxa Selic: entenda o que é a taxa básica de juros da economia brasileira Os problemas da falta de transparência A principal crítica ao modelo de assessoria é de que o profissional não precisa recomendar o melhor produto ao cliente para ter a maior remuneração.
É um conflito de interesse de partida, mas a situação pode piorar bastante caso o assessor esteja mal intencionado. Uma jogada comum de maus assessores é recomendar que o cliente tome um empréstimo para livrar dinheiro para a aplicação em um produto.
O rendimento desse investimento supostamente pagaria as prestações e serviria de garantia.
O restante dinheiro do investidor poderia ser usado de outras formas.
O que acontece de fato é que o cliente se endivida ao mesmo tempo que trava o dinheiro em uma aplicação meia boca.
Já o assessor recebe a comissão de imediato — quanto maior a quantia aplicada, maior o contracheque do profissional.
Um caso assim aconteceu com Raphael Lombardi Leal, de 36 anos.
Ele afirma ter perdido um patrimônio de R$ 3 milhões, conquistados em 20 anos de trabalho, após seguir as orientações de um assessor de investimentos.
Pior: contraiu uma dívida estratosférica por conta das operações sugeridas, que hoje gira na casa dos R$ 3,5 milhões. Leal conta que procurou a Ável Investimentos, escritório ligado ao Grupo XP, em 2021, por indicação de um colega.
Ele havia vendido sua participação em uma empresa, e sonhava em viver de renda passiva. Sem muito conhecimento no mundo dos investimentos, acreditou no assessor.
A indicação foi exatamente a tomada de empréstimo e investimento em Certificados de Operações Estruturadas (COEs) — um tipo de investimento que mescla ativos de renda fixa e de renda variável, criando travas para ganhos e perdas. Segundo Leal, o assessor garantiu que as parcelas do empréstimo só seriam descontadas depois do vencimento do COE, e o rendimento seria o suficiente para arcar com parcelas e juros.
Meses depois, porém, as cobranças começaram a chegar.
Com todo o seu dinheiro aplicado e a dívida crescendo, a única opção foi liquidar os COEs com prejuízo.
Hoje, Leal diz que está falido e tenta resolver a situação de forma extrajudicial. Em nota enviada ao g1, a Ável disse que "tem uma política de compliance e governança criteriosa e preza pela transparência e profissionalismo no atendimento aos seus clientes" e que os casos como os de Leal são "analisados com rigor e as medidas cabíveis serão tomadas tão logo as apurações sejam concluídas".
"Os investidores são orientados sempre com base em seu perfil de risco e objetivos individuais, de forma totalmente personalizada e nada é feito sem total alinhamento e consentimento do cliente.
A...